1.
Olha, Marie, a beleza entra as cortinas e a cegueira.
Olha, Marie, meus olhos secaram. Grudaram as pálbebras e tudo tornou-se o mesmo vazio do escuro e do silêncio.
Queria te escrever tanta coisa. Escrever-me inteira. Deixar a tua porta: morta de mim.
Sou, Marie, a eterna espera de você.
Posso mais te esperar. Você que nunca volta. Você que está tão longe. E apenas das palavras posso fazer nossa ponte. De mim até minha ilusão de você.
Está longe pela minha fraqueza. Minha velhice. Vai de dezenas, centenas, milhares.
O meu cansaço de tanto viver. Na minha vida póstuma.
Vida. Vida. Vida.
Que coisa é esse de fugir de ti?
Que ti?
Eu-ti.
Correr pelas ruas de pedras irregulares. Alcançar as estradas. Parar os carros. Despir as roupas.
ARRANCAR A PELE.
Ser nojo e grotesco.
Com sangue, vísceras. De órgãos e sentires.
E dentro do que sobrará de mim. Ver-se-a apenas você.
Minha mulher. Meu homem. Meu Senhor.
E um ínfimo daquilo que não conheço muito bem. Chamam:
Vida.
2.
É por isso que gasto tanta tinta. Por você, Marie. Vou escrevendo escrevendo escrevendo.
Minha voz agora sai tão fraca e não-humana. Coloca aquela antiga lendo os dizeres de hoje.
Não, Marie, não se canse tão fácil.
Tenho toda uma lisa de percepções que fui anotando enquanto esteve fora. Toda vida.
Percebe, Marie, que o mundo está todo errado? Ou sou eu? Diz a verdade, mas não diz que sou eu.
Serei eu tão louca assim, Marie? Não, não diz que não sou.
Só o que fiz foi te ter para sempre dentro de mim.
Mastiguei sangue órgãos ossos alma.
Te engoli inteira. Estás aqui.
Agora tu és a minha mais doce loucura.
Tu sabes da minha carne ferida, não sabes?
Como é estar no lado de dentro da carne rasgada? É seguro aí ou existem vermes tentando comer o teu redor?
Queria saber também disso. E além.
De onde estás pode ver minha perdição? Sabe? Aquele amontoado de dor, de angústia, de ausência.
Pode, Marie?
Diz a verdade, mas não diz que não pode.
3.
Rebecca
Desculpe se te fiz esperar. Estava no chão tentando juntar as palavras que deixei cair no susto de te saber vindo.
Por favor, não repare todos esse livros jogados. Estava procurando algo inteligente para citar quando você começasse a falar daquele jeito.
Eu entendo. Sabia que eu entendo?
Sei de todas as coisas. Aqui dentro.
Minha lógica nunca existiu. E minha razão se perdeu na minha busca por sentir.
Quer que eu te faça alguma coisa? Deve ter café por aqui.
Desculpe, não tenho chá. Odeio lembrar da calma da natureza.
Tenho meus calmantes. Meus remédios.
Você não gosta disso, né? Sabia que tinha que ter comprado chá.
Posso tocar teus cabelos? Posso cheirá-los? Posso mastigá-los? Só para sentir o que é a consistência de ser você.
Por que está tão perto da porta? Vai embora?
Não vá, por favor, tenho tanta coisa que quero te contar.
Ontem tive um sonho com
Não vá. Por favor. Não vá. Tenho tanta coisa boa para te dar.
Tanta coisa.
sábado, 21 de abril de 2007
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